quinta-feira, 22 de outubro de 2009

ESTE FIM DE SEMANA AQUECIMENTO HALLOWEEN


pensamento de fim-de-semana.
“Lutei muito para ser pianista. Trabalhei muito, horas e horas por dia. Se tivesse resultado, hoje seria um pianista medíocre. Um pianista bom (com talento) não precisa de fazer força. É um dom. A diferença entre nós é que, enquanto eu tentava colocar dentro de mim um piano que estava fora, o problema do pianista era colocar para fora um piano que morava dentro dele desde o nascimento. Para mim, o piano nunca passaria de uma prótese. Mas, para ele, o piano é uma expansão do seu corpo.” Rubem Alves

Ao ler este texto dei-me conta que, em muitas situações da minha vida, já tinha sentido o mesmo. Nunca tentei aprender piano mas, provavelmente, nenhuma prótese conseguiria resolver a minha invulgar falta de talento. Do mesmo modo, se a minha escolha fosse o canto nem as mais modernas tecnologias de som seriam capazes de me transformar numa cantora de sucesso.


Perante esta constatação, lembrei-me do que se está a passar com o empreendedorismo. Este tema ganhou notoriedade no último quadro comunitário e prepara-se para se tornar uma celebridade europeia tal a miríade de iniciativas no âmbito da União Europeia. O QREN, Quadro de Referência Estratégico Nacional, aposta fortemente no empreendedorismo como uma das prioridades estratégicas regionais.


Mas o que tem a ver o parágrafo inicial com o empreendedorismo? Tudo. Desde logo porque nos leva a questionar se muitas das iniciativas de promoção do empreendedorismo não estão a cair no erro do pianista medíocre em que o piano é uma prótese.


De facto, muitas iniciativas para promover o empreendedorismo são apresentadas de uma forma massificada, dando a ideia que todos podem e devem ser formados para ser criadores de empresas. Com esse pressuposto tem sido promovida uma imensa variedade de projectos e acções para formar empreendedores. Acontece que o pressuposto está errado. Por um lado, o conceito de empreendedorismo não se restringe à criação de empresas. Por outro, nem todos têm talento para ser criadores de empresas, nem faz qualquer sentido que todos o sejam.

Acresce, ainda, que os resultados obtidos por essas iniciativas têm sido bastante escassos.

Não é pois de estranhar que alguns países europeus estejam a dar prioridade a iniciativas no sentido de desenvolver uma cultura e um ambiente favorável ao empreendedorismo. Por outras palavras, a preocupação central não é tentar que todos sejam empreendedores, mas sim intervir no sentido de reduzir os obstáculos àqueles que tendo talento para empreender se defrontam com barreiras de vária ordem que comprometem o sucesso das suas iniciativas.

O objectivo é fazer despertar os empreendedores para que coloquem para fora o talento para empreender que têm dentro deles. Para que o empreendedorismo seja uma extensão natural do corpo. Para que o empreendedorismo não seja uma prótese que o corpo rejeita.

O empreendedorismo está decididamente na ordem do dia, como se pode constatar pela leitura do QREN, o Quadro de Referência Estratégico Nacional para o período de 2007 a 2013. No entanto, em abono da verdade, este estatuto de primeira grandeza não é mais do que a consolidação de um “movimento empreendedorismo” que começou no último quadro comunitário de apoio e se traduziu na realização de uma miríade de projectos.

Agora, na altura em que vamos iniciar um novo ciclo de desenvolvimento económico é oportuno reflectir sobre os resultados desses projectos. Para começar temos de saber se o problema que queremos resolver é estrutural ou, pelo contrário, é meramente conjuntural. Só depois poderemos avaliar se os projectos realizados contribuíram para desenvolver o espírito empreendedor na sociedade portuguesa.


Antes de mais, importa esclarecer o que é o espírito empreendedor. De um modo sintético pode dizer-se que é a capacidade de identificar oportunidades e de reunir e combinar os recursos para criar valor para a sociedade. Por outras palavras, de transformar sonhos em riqueza. Mas, identificar oportunidades pressupõe curiosidade, autonomia, sonho. Reunir e combinar recursos pressupõe iniciativa, imaginação, auto-motivação, persistência. A estas características junta-se outra que traduz o ADN do espírito empreendedor, a coragem para assumir riscos e aceitar a possibilidade de fracasso.


Dito deste modo parece que estamos a falar de uma utopia, que estas pessoas não existem. No entanto, se nos lembrarmos da nossa infância rapidamente percebemos que estas características se encontram naturalmente nas crianças: a curiosidade para descobrir o mundo que as rodeia, a imaginação fértil, os sonhos “quando for grande quero ser…”, a auto-motivação para descobrir, a persistência até conseguir o que se quer e, obviamente, o prazer de arriscar e de ultrapassar os limites.


Se isto é verdade, porque razão estas características desaparecem ou adormecem com a passagem da infância para a idade adulta? Porque razão a sociedade transforma crianças que nascem com forte espírito empreendedor em pessoas que não gostam de empreender, de arriscar. Quais são os factores de bloqueio do espírito empreendedor?


Que medidas devem ser tomadas para não bloquear ou adormecer o espírito empreendedor com que nascemos?


“Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo.
Escolas que são asas existem para dar aos pássaros coragem para voar.
As escolas não podem ensinar o voo, porque o voo já nasce dentro dos pássaros.
O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.”

Rubem Alves


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